POR UM SEGUNDO, A VIDA CONTINUA…

Do alto de uma torre, um último suspiro me preenchia com o ar bendito que afagava os segundos finais da minha lucidez. Um silêncio me envolvia e o questionamento tomava conta do meu íntimo: – Porque deveria cometer tamanho desatino com a minha própria vida? – Mas tudo era em vão, pois eu já havia decidido. Naquele exato momento daria fim as minhas lamúrias. Então, passei a observar as pessoas lá embaixo e uma lágrima escorreu pela minha face até se desprender, caindo em queda livre espaço abaixo. Vi aquela gotícula se fragmentar no ar antes mesmo de alcançar o solo, este também seria o meu destino. As decepções da vida, as dores, a revolta e o isolamento eram o que me incentivava a dar o passo seguinte. Decidi deixar tudo para trás e me livrar de todos os problemas; abri os braços e deixei o meu corpo cair atraído pela força da gravidade. Eram exatos 30 andares, uma queda que ficou gravada para sempre em minha vida, pois naquele momento um livro se abria à minha frente, como se cada andar que ficava para trás fosse uma página virada da minha vida que nunca mais voltaria.

Foram longos segundos até que atingisse o meu destino; durante a queda uma leve brisa tocava minha face, meus longos cabelos cintilavam ante ínfima resistência imposta pelo ar, como se eu estivesse a levitar. Uma sensação de que o tempo havia desacelerado me envolvia por completo, pude então observar as árvores ao meu redor que apesar de serem poucas abrigavam inúmeros pássaros em meio a agitação da grande cidade. Percebia que aquelas criaturas aladas embora estivessem limitadas naquele ambiente restrito externavam muita alegria, retribuindo com seus cantos maravilhosos a vida que Deus havia lhes concedido. Descobri então, que por mais que a vida se apresentasse de forma desfavorável ou até mesmo injusta, jamais poderia ser desperdiçada, nem ser jogada ao léu como algo qualquer, mas para mim era tarde demais, não poderia mais voltar atrás, como se uma vida tivesse se perdido para sempre. Logo, levitando sem o peso que me atormentava a alma cheguei ao solo e, uma horrenda cena me absorveu por completo. Um grupo de pessoas diziam: – Ela era tão linda, jovem, não tinha problemas, nem preocupações, por que se atirou do alto do prédio?

– Então, vislumbrei o meu corpo estirado ao solo ladeado por uma grande multidão, um alvoroço total. Neste instante as dores começaram a refletir em meu perispírito, perdia totalmente a noção de tempo e espaço e, uma forte náusea tomou conta de meu âmago, um mal-estar horrível como nunca havia sentido antes; as pontas de meus dedos perispirituais começaram a necrosar, subindo pelas mãos, braços, corpo e face, até que minha memória começou a se fragmentar. A sensação era tenebrosa, como se a luz tivesse sido apagada para sempre da minha vida e nada pudesse fazer para conter tamanho sofrimento. Sentia-me como uma demente qualquer, uma indigente, uma desfigurada maltrapilha, meus pensamentos eram confusos pois refletiam a perda de massa encefálica do meu corpo físico ao atingir o solo, ficando a face totalmente irreconhecível. Por longos anos permaneci a vagar na escuridão, agonizando as dores da matéria mesmo não a possuindo mais, um odor insuportável me envolvia como se fosse exalado de dentro de mim, o descontrole mental combinado com o pavor revelava a minha atual condição, uma suicida.

Não conseguia permanecer na posição ereta, vivia a rastejar, rolar e muitas vezes grunhia feito animal. Lembranças não mais existiam, como se a minha vida tivesse chegado ao fim, muito embora me restaram as dores, muitas dores…. As crises de desespero, angustia e medo tomavam conta do pouco que restara do meu consciente. Um segundo a mais de reflexão e tudo isso poderia ter sido evitado. Antes, queria dar um fim a minha vida ou melhor, aos meus sofrimentos. Agora, precisava apenas de uma oportunidade para me libertar do maior tormento que um ser poderia enfrentar, o vale dos suicidas. Então, descobri que nada é tão ruim que não possa piorar; seres diabólicos passaram a me usar como instrumento de obsessão para que vampirizasse outras criaturas. Era acoplada junto as pessoas encarnadas, absorvendo suas vitalidades e transmitindo toda a minha dor, fazendo com que elas sentissem a angustia, o desespero, o medo e o pior de todos os males, o sentimento suicida.

Apesar do agravo da minha condição posso lhes dizer que toda a dor do mundo um dia passa, mesmo que seja longa e contínua, e assim tudo passou.

Após décadas em um ambiente mental onde não existia tempo, espaço e nem formas reais, apenas dor, muita dor… surgiu no fim do túnel uma pequena luz, emanada das mãos do Espírito de uma singela criança. Apresentando-se na condição de uma menina afrodescendente de nove anos de idade, com semblante sereno, ela se aproximou de mim trazendo consigo uma linda flor de Lúminus, ainda hoje indescritível aos olhos mundanos. Exalava florais que formavam um redemoinho em meu entorno, libertando-me do odor insuportável que me acompanhava desde o terrível ato que havia cometido comigo mesma, ao mesmo tempo que a sua luz dissipava toda a escuridão que me envolvia. Estendendo a sua mão, ela me entregou a pequena flor, pedindo-me para que a segurasse junto do meu peito, fechasse os olhos e suplicasse o perdão, mas não a Deus e sim, a mim mesma, pois a culpa tomava conta da minha consciência e também do meu coração, motivo que não conseguia encontrar o caminho para a redenção.

Então, aos prantos, segurei a flor com o sentimento mais nobre que havia restado em mim e assim, num longo e intenso suspirar conseguia sentir a vida fluir novamente em meu íntimo, libertando-me daquilo que mais me afligia: a vergonha, a culpa e a falta de fé. A luz finalmente retornava em minha vida, iluminando maravilhosamente o meu caminho. Meus olhos voltaram a brilhar, irradiando a esperança que um dia se apagara em meu coração. De mãos dadas com aquela menininha, nova oportunidade recebia. Caminhei…. Perseverei…. Determinada a recuperar o tempo que havia perdido e encontrar um novo propósito em minha vida.

Hoje estou aqui com uma flor de Lúminus nas mãos a socorrer irmãos que tiveram o mesmo desatino que um dia me levou para o vale das sombras.

“Que a dor por mais profunda que seja não se torne a causa do suicídio, mas sim o fortalecimento para libertar o ser de suas piores tendências. A vida é preciosa demais para ser descartada. Viva intensamente cada dia para que ao alvorecer possa presenciar a luz brilhar em sua vida. O passado reflete no presente a felicidade do amanhã”

Jovem suicida um dia fui.
Defensora da vida para sempre serei…”

“Francis” (Espírito) – Yssao (médium)

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